Muito se discute sobre a forma ideal de se educar as crianças. E sem delongas, vamos direto ao ponto: realmente é necessário punir uma criança por um comportamento errado? A palmada é indicada? E o castigo?
Vamos pensar numa criança aprendendo seu repertório comportamental, e isso pode ser com 1, 2, 3, 4 anos ou mais. A punição pode assumir vários enfoques: uma palmada pode ser punição, a retirada de um eletrônico pode ser uma punição, bem como, um castigo. Até mesmo uma comunicação inadequada pode ser punitiva, um olhar ou repreensão.
Tanto adultos como crianças podem entender que toda ação tem consequência, e para isso, vai repetir comportamentos que trazem consequências reforçadoras ou evitar aqueles pelos quais são punidos.
Esta é a lógica, mas não tão simplista assim como falam, ou com que alguns criticam. Há muitas estratégias que pode-se usar para promover a mudança de comportamento, ou seja, fazer com que uma criança deixe de agir como age. E a punição não é, nem de longe a melhor. Modelação, modelagem, reforços positivos, manejo de contingências são opções válidas e comprovadas cientificamente. E é bom frisar que muitas vezes, a criança tem como reforço não só um brinde ou prêmio, e sim, uma situação em que tenha afeto.
Mas a punição não funciona? Funciona sim, porém a curto prazo: você dá um tapa por exemplo, e a criança fica com medo e por isso, pode parar de executar tal comportamento. No entanto, ela não aprendeu uma forma adequada de se comportar. Passa um tempo e ela volta a fazer: simples assim. E quando ela entende que o que de pior pode acontecer é uma palmada, pode até falar a tão irritante frase: “Nem doeu!” diante de uma palmada.
Além disso, como as crianças aprendem por imitação, elas aprendem que para manifestar algo que não gostam, basta bater ou usar de violência. Aí fica complicado para os papais que não querem que elas batam nos coleguinhas, mas não fazem o que dizem. Para pensar não é?
Também pode-se apresentar quatro problemas principais no uso da punição como forma de ensinar (Holden et. al, 2017). São eles:
– O uso repetido de punições envolvendo a retirada ou perda de algo tende a ter um efeito em curto prazo, mas pode diminuir a motivação e o bem-estar geral do indivíduo, pois ele pode acreditar que perde tudo que gosta e que não merece ter as coisas que aprecia;
– Levando em consideração a teoria da autodeterminação, sabemos que todas as pessoas têm a necessidade inata de sentir-se competentes, autônomas e conectadas com outros. Por isso, intervenções embasadas demais em estratégias que envolvam punição tendem a não funcionar;
– A punição pode não focar no problema original. Um comportamento que aparenta ser “desafiador opositivo” ou uma “recusa em cooperar” pode refletir um problema muito mais complexo. A criança quando tem um comportamento inadequado quer comunicar alguma coisa, e cabe aos pais tentar identificar. Holden et al. (2017) usam o exemplo de uma criança que não fez a tarefa: não fez porque não entendeu o que era para fazer? Porque não se sente capaz? Porque sente ansiedade ao antecipar o erro? Tem algum problema de aprendizagem? Está reagindo a um estresse emocional ocorrido no dia? É preciso compreender, antes de mais nada. Da mesma forma, quando ela faz uma birra, muitas vezes pode ser inabilidade em comunicar algo, ou seja , é necessário regulação emocional, treino de habilidades, e não a punição.
– Outro problema é que a punição leva à evitação. A criança pode evitar frequentar lugares ou fazer coisas que remetam àquela situação em que foi punida, e isto pode gerar um outro tipo de problemas, até mesmo medos e insegurança.
– A pessoa tratada com punição poderá aprender não só a evitar a ação que gera o efeito punitivo, mas também a evitar o próprio “punidor”, o qual pode se tornar aversivo em razão de um processo de pareamento entre estímulos. Em geral, qualquer coisa nociva, desagradável, inclusive as dores físicas ou emocionais são aversivas. Assim, se um pai ficar pareado com “punição”, já não se pode contar com uma relação de suporte e confiança, aspecto necessário para qualquer aprendizado.
A partir do exposto, pode-se perceber que cabe aos pais decidir quais objetivos eles têm a longo prazo: medo e insegurança por parte de seus filhos, ou crianças com habilidades para desenvolver novos repertórios. Se a segunda opção foi a escolhida, existem outros métodos, através dos quais pode-se ajudar as crianças a entender o motivo pelo qual não deve fazer algo, e assim, selecionar uma nova forma de agir mais adaptada e adequada e que levará ao mesmo objetivo.
Na dúvida procure um profissional para lhe ajudar.
Referências:
Holden, G. W., Grogan-Kaylor, A., Durrant, J. E. & Gershoff, E. T. (2017) Researchers Deserve a Better Critique: Response to Larzelere, Gunnoe, Roberts, and Ferguson, Marriage & Family Review, 53:5, 465-490, DOI: 10.1080/01494929.2017.1308899
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