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Ao me deparar esta semana com a morte vista por uma criança, reflete-se sobre a maneira como muitos pais, adultos e afins conversam sobre a morte com seus filhos. O mais comum é falar que o ente querido virou uma estrelinha e que estará cuidando dos que ficam.

O fato que fica claro nesta situação é: as crianças têm o direito de vivenciar, escolher e ter a oportunidade de entender o que acontece, para que elas possam elaborar e não ficar com a sensação de que algo ficou perdido em sua história. É salutar que as crianças entendam que sentir saudades é normal, ficar triste também o é, porém, a vida segue e com ela, novas experiências vão acontecendo.

A partir desta reflexão considera-se o texto abaixo de grande valia para leitura.

A criança se depara com a morte a partir da curiosidade acerca de seu significado ou diante de sua concretude. Por volta dos três anos, ela começa a tecer as primeiras questões sobre o tema, ao mesmo tempo em que seu interesse pela origem dos bebês é despertado. Isto não é coincidência. Ao se questionar sobre sua própria origem – De onde eu vim? – a criança, invariavelmente, se lançará para a próxima pergunta, que é sobre o final disso tudo: Para onde vamos?

Vida e morte estão atreladas do início ao fim. Morremos porque vivemos. Esta é a única lei que não se burla e a única certeza que não se contesta.

Muito embora saibamos da universalidade e irreversibilidade da morte, nem sempre é fácil escutar e falar quando o assunto gera desconforto, sofrimento e angústia gratuitos. Também, nem sempre é fácil escutar e falar sobre morte quando se imagina que ela está distante da vida ou quando vivências dolorosas são lembradas. Como resultado, não é incomum diante do aparecimento do tema o adulto ignorar o que a criança diz ou desconversar, desviando o assunto ou respondendo com falas como “Deixe isso para lá.”, “Que besteira!”, “Não pense nisso.”. Tais situações impedem a criança expressar verbalmente seus sentimentos e pensamentos relacionados à morte.

Por outro lado, falar sobre morte com naturalidade e acolhimento ajuda a criança a compreender o fenômeno e a esclarecer mal-entendidos que por ventura tenham sido criados, podendo, inclusive, também ser uma oportunidade para o adulto desfazer fantasias assombradoras criadas ao longo de sua vida.

Da mesma maneira que introduzimos uma variedade de assuntos aos pequenos, podemos aproveitar as brechas cotidianas para falar sobre o tema da morte: uma formiguinha esmagada pelo sapato, uma barata estatelada no chão, as folhas que caem das árvores, as flores que murcham ou perdem as pétalas são ricos disparadores de uma conversa sobre o ciclo da vida.

No início da investigação sobre a morte, a criança apresenta perguntas bastante pontuais. Como vida e morte são faces da mesma moeda, é interessante que as respostas, objetivas, estejam relacionadas à vida:

Por que se morre? Porque vivemos. Quando uma pessoa morre? Quando ela termina de viver. Você vai morrer? Tudo o que tem vida um dia morre. Quando você vai morrer? Não sabemos quando vamos morrer; talvez, quando eu tiver vivido bastante.

Conforme a criança cresce as perguntas vão se sofisticando e em algum momento ela perguntará o que acontece depois da morte. Independente da crença familiar sobre vida pós-morte, é importante que junto com o ciclo da vida também se aborde a questão da transformação – as queimadas, as estações do ano, a reciclagem – para que a criança possa entender o que é decomposição dos corpos, dos destinos do corpo morto.

Devemos assegurar para a criança que a morte faz parte da vida, mesmo que algumas vezes ela chegue muito antes de se ter vivido o bastante. A morte não deve ser assunto velado. Para deixar a conversa bastante viva, é oportuno que a criança tenha acesso a livros, músicas, filmes e outros materiais que abordem o tema, bem como tenha a oportunidade de brincar “de morte” sem censura.

Se a simples investigação do que é morte e morrer deve ser franca, clara e direta, quiçá quando a criança perde um ser com quem ela se relaciona. Não adianta dizer que a pessoa ou o animal que morreu dormiu para sempre, ainda está hospitalizado, foi viajar, fugiu. Estas são respostas que omitem a verdade que a criança precisa ouvir. A criança que recebe respostas desta natureza entra em conflito entre o que é dito e o que percebe em seu entorno – expressões faciais, silêncio, agito, mudanças na rotina e principalmente, mais cedo ou mais tarde, a ausência permanente do ser amado. Não dá para evitar o inevitável. A morte, como qualquer outra perda, faz parte da vida e por isso a verdade, sobre ela e sua causa, precisa ser falada tanto para saciar a dúvida, quanto para ajudar na elaboração do luto. Sofrer faz parte da vida. Querer evitar que a criança sofra, além de ser impossível, é um equívoco que também traz sofrimento, seja pelo que é imaginado (quase sempre num silêncio solitário), seja pelo sentimento de falta de confiança e traição desencadeados por não ter sido noticiada sobre o acontecimento. Para suportar e superar o sofrimento, todos nós precisamos da verdade, por mais que ela doa, e de companhia para viver e aguentar a dor. Quando não temos a verdade, construímos um saber que pode ser bem mais dolorido e complicado de ser desmontado do que quando a realidade nos é apresentada com algum amparo.

Ao falar da morte de alguém querido vale chorar, lembrar, abraçar muito. Não tem nenhum problema a criança presenciar o sofrimento de outras pessoas; aliás, isto é uma forma de autorização para que ela também possa expressar o que sente. Permita que ela fale, veja fotografias, brinque de morrer, desenhe, leia livros e assista a filmes sobre o tema, ouça músicas, reze, escreva, faça presentes para o falecido, tenha algum pertence que foi dele e que diz sobre a relação de ambos, se isto for espontâneo e por quanto tempo for necessário. A criança sinaliza o tempo que ela necessita para se acostumar com a perda, como se estivesse vestindo roupas pretas indicando o enlutamento. Portanto, enquanto a criança estiver em processo de elaboração do luto, é essencial que ela possa representar, repetir o tema quantas vezes ela quiser e o quanto ela precisar.

Mesmo havendo espaço para diálogo, muitas crianças expressam seu sofrimento calando-se, tendo comportamentos regredidos, agressivos, diferentes do que era habitual. Não adianta repreender a criança. Algumas vezes os sentimentos diante da morte demoram a surgir. O importante é oferecer meios que facilitem sua expressão. Deixe à mão papéis, lápis, giz de cera, livros, e não evite falar sobre o falecido na sua presença, nem diretamente com a criança. A criança precisa perceber que o ambiente é capaz de acolhê-la em sua dor.

Uma questão bastante comum quando quem morre é alguém muito próximo à criança é se ela deve ou não acompanhar o velório e cemitério/crematório. Esta é uma opção que cada família deve tomar de acordo com suas crenças e limites emocionais e ou logísticos. Ouvir o desejo da criança também é importante para ajudar na tomada de decisão. Porém, vale saber que até mais ou menos os 12 anos, a experiência concreta é fundamental para o entendimento dos fatos. Quando a criança pode experimentar ela tem mais recursos para entender. No caso da morte, sabemos que é muito mais difícil, inclusive para os adultos, encará-la quando os caixões são lacrados ou os corpos nunca são encontrados. É como se mantivesse vivo um “fio de esperança” de um caixão vazio ou trocado, ou de um corpo que pode retornar com vida. Imagine, então, como não é para uma criança que é mantida longe da concretude propiciada pelos rituais de passagem: a morte é vivida apenas no plano do imaginário, com direito a caraminholas de toda sorte. Participar dos rituais de passagem pode facilitar a compreensão da morte em nível concreto, mas não minimizará ou aumentará o sofrimento. Não participar também não a impede de desconstruir fantasias e construir a realidade.

Por mais que os rituais de passagem, as explicações sobre os ciclos da vida e as transformações ajudem entender o processo da morte e do corpo morto, quando a morte de um ser querido acontece, somos tomados por muitos sentimentos distintos, às vezes contraditórios e inéditos, que vão ao encontro do seu lado mais sombrio: não sabemos como a morte é de fato. Com ou sem apoio das religiões, nós nos apoiamos naquilo que nos conforta para construir um sentido não funcional para a morte: vida eterna, descanso, reencontro de pessoas queridas. A criança (e o adulto também), ao mesmo tempo em que precisa do concreto, precisa do sonho, da poesia que nos faz humanos e dá leveza à vida.

Quando a morte pode ser falada, o lúdico e a imaginação podem assumir seu papel acalentador, dando um chega pra lá em seu lado assustador. Se a imaginação vem com doses generosas de realidade, dá até para dizer que o morto virou uma “estrelinha no céu”. O mais importante é cada família encontrar seu conforto com a morte, transmitindo para a criança a mensagem de que quando alguém amado morre, ele continua vivo na lembrança, em nossos corações.

Fonte: http://www.ebc.com.br/infantil/para-pais/2016/09/como-conversar-sobre-morte-com-criancas

 

 

 

 


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